Vícios

O cérebro humano é programado para buscar prazer e evitar dor, ativando o "sistema de recompensa" com dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e à motivação, um mecanismo evolutivo de sobrevivência. Substâncias e comportamentos viciantes ativam o "sistema de recompensa" do cérebro, principalmente a liberação de dopamina e outras substâncias químicas cerebrais. Quanto mais intensa e rápida essa liberação, maior a probabilidade de desenvolver dependência. Além disso, por variantes genéticas, algumas pessoas nascem com maior predisposição ao vício. Indivíduos com transtornos de humor, de personalidade, ou baixa autoestima, podem ser mais suscetíveis ao desenvolvimento de vícios. A desigualdade social, falta de acesso à educação ou recursos de saúde também são fatores de risco, assim como viver em ambientes violentos ou desestruturados.

Uma interação complexa entre fatores biológicos, psicológicos, sociais e comportamentais favorece o comportamento viciante. Ela se desenvolve ao longo do tempo, de maneira compulsiva, persistente, mesmo diante de prejuízos à saúde ou ao bem-estar.

Por questões psicológicas, para buscar alívio emocional, como uma forma de lidar com emoções difíceis, como tristeza, solidão, ansiedade, estresse ou traumas, a substância ou comportamento viciante (álcool, drogas, comida, jogo, redes sociais, etc.) proporciona ou uma "fuga" da realidade, um alívio temporário.   

Também o ambiente social tem relevância na formação de vícios: a exposição precoce a substâncias ou comportamentos de risco, a influência de amigos ou familiares, e a aceitação cultural de certos hábitos (como beber socialmente ou fumar) podem tornar comuns práticas que têm potencial para causar dependência.

O fato é que, com o tempo, e a repetição, o cérebro se ajusta desenvolvendo tolerância, necessitando de doses ou frequência maiores para alcançar o mesmo efeito.  

Os vícios em doces, cigarros e o comer compulsivo se assemelham em vários aspectos, mas diferem nos mecanismos biológicos, sociais e psicológicos envolvidos.  O vício por doces pode ser classificado como um vício alimentar ou comportamental, com uma base química substancial. A ingestão de açúcar estimula a liberação de dopamina de maneira semelhante a algumas substâncias psicoativas, embora de forma menos intensa. O consumo repetido pode resultar em um ciclo de desejo e compulsão. Ademais, o consumo de açúcar pode atuar como um mecanismo de autotratamento para lidar com emoções difíceis. Contudo, o açúcar não provoca uma dependência física severa comparável à da nicotina ou heroína. O principal fator envolvido é o condicionamento psicológico e o prazer imediato proporcionado pelo consumo.

Já o vício por cigarro representa uma dependência química clássica. O cigarro tem forte associação comportamental, sendo um ritual ligado a pausas, socialização ou alívio do estresse. A nicotina atua nos receptores do sistema nervoso central, causando dependência física, produz uma marcante síndrome de abstinência que dificulta a cessação. Muitas vezes, requer tratamento médico e psicológico.

Comer excessivamente representa um comportamento compulsivo multifatorial. Com o acesso fácil a alimentos altamente palatáveis, perdemos o controle e passamos a comer mesmo sem fome; é a fome emocional (comer para lidar com sentimentos), que pode vir de fatores biológicos, como resistência à leptina (hormônio da saciedade).

O processo viciante geralmente começa com uma experiência inicial: experimentar um doce, um cigarro ou um alimento muito saboroso. Comer ou fumar para aliviar estresse, tristeza ou tédio. Seguir um hábito social, como fumar com amigos ou comer sobremesas em festas. Essa primeira experiência ativa o sistema de recompensa no cérebro, gerando prazer ou alívio, criando uma memória emocional positiva. Após a exposição inicial, o indivíduo tende a repetir o comportamento devido à experiência de prazer e/ou ao alívio de emoções desagradáveis.

O cérebro rapidamente aprende a associar o comportamento ou a substância ao bem-estar, criando uma pista neural: sempre que uma situação ou emoção semelhante surgir, haverá uma tendência automática de repetir o comportamento.

Comer doces em momentos de tristeza resulta em alívio, gerando uma propensão a comê-los sempre que se sentir triste. Fumar para relaxar resulta em   uma tendência a fumar em situações de estresse.

Com a repetição, o cérebro passa por mudanças significativas: primeiramente vem a tolerância - o organismo requer quantidades cada vez maiores da substância ou comportamento para experimentar o mesmo nível de prazer. Em seguida vem a neuroadaptação - desregulação no sistema de recompensa, resultando em uma diminuição do prazer obtido através de atividades naturais e um aumento do desejo pela substância ou comportamento viciante. Depois, vem a desregulação emocional: o comportamento aditivo torna-se a principal estratégia para lidar com emoções.  Este processo pode ocorrer tanto com substâncias (como nicotina ou açúcar) quanto com comportamentos (como comer compulsivamente).

Com o tempo, o comportamento viciante deixa de ser uma escolha consciente, torna-se compulsivo e automático, gera conflito interno: a pessoa quer parar, mas tem dificuldade. Isso pode gerar sintomas de abstinência (físicos ou emocionais). Quem fuma pode sentir irritação ou ansiedade ao tentar parar. Quem consome doces frequentemente pode sentir desejo intenso, irritação ou tristeza ao tentar restringir.

Fatores biológicos que favorecem o surgimento de vícios: predisposição genética, alterações neuroquímicas, sensibilidade ao prazer ou impulsividade.

Fatores psicológicos que favorecem o surgimento de vícios :traumas, baixa autoestima, dificuldades para lidar com emoções.

Fatores sociais que favorecem o surgimento de vícios: influência de amigos ou familiares, modelos culturais que incentivam o comportamento, disponibilidade fácil de substâncias ou alimentos viciantes.

Fatores ambientais que favorecem o surgimento de vícios: estresse crônico, falta de suporte emocional, ambiente caracterizado por estímulos obesogênicos ou constantes.

Se sabemos que o vício é prejudicial, por que continuamos? A resposta envolve a distinção entre conhecimento racional e as forças emocionais, instintivas e inconscientes que influenciam o comportamento.

O cérebro humano é dividido em sistemas que nem sempre "conversam" bem.

O cérebro humano possui dois sistemas principais: o sistema emocional e instintivo (límbico) que busca prazer imediato, evitando dor a qualquer custo e que responde rapidamente com pouca reflexão. O sistema racional e consciente (córtex pré-frontal) que planeja e avalia consequências, pensa no longo prazo, e que sabe que o vício faz mal.

O sistema emocional é mais rápido e forte que o racional, especialmente em momentos de emoções intensas como ansiedade, medo ou tristeza. Mesmo sabendo dos efeitos negativos, a pessoa muitas vezes cede ao impulso.

O cérebro visa minimizar dor e estresse, e maximizar prazer imediato. Por isso, em momentos de ansiedade ou sobrecarga, ele busca alívio rápido, mesmo que prejudique no futuro.

O vício "sequestra" o sistema de recompensa - Substâncias ou comportamentos viciantes ativam intensamente o sistema de recompensa, que então se adapta. Prazeres naturais já não surtem efeito, enquanto a dependência pela substância ou comportamento viciante aumenta. Isso cria uma "prisão química" do vício.

O conhecimento racional não é suficiente - Ter consciência dos malefícios do vício é uma informação cognitiva. Contudo, o vício é impulsionado por emoções, impulsos e hábitos profundamente enraizados.

Fatores que aumentam essa dificuldade: O estresse crônico compromete o controle racional, a baixa autoestima aumenta a busca por alívios imediatos, o ambiente propício facilita o acesso a substâncias e estímulos viciantes., o isolamento social diminui o acesso a fontes saudáveis de prazer.

O paradoxo humano:  somos ao mesmo tempo, o animal mais racional e também o mais impulsivo. Possuímos a consciência, que nos permite imaginar o futuro, calcular riscos e planejar com detalhes; contudo, frequentemente sucumbimos a impulsos imediatos, apesar de estarmos cientes dos danos potenciais.

A origem do vício reside na nossa busca ancestral para escapar da dor, da angústia e do vazio. Buscamos atalhos – como um cigarro, um doce, ou excessos variados – na tentativa de anestesiar aquilo que, no fundo, define nossa humanidade: a consciência da nossa finitude, dos nossos limites e das nossas emoções indomáveis.

Platão, filósofo grego, comparava a alma humana a uma carruagem puxada por dois cavalos: um obediente, representando a razão, e outro indomado, símbolo das paixões. O cocheiro, ou seja, nós, precisa aprender a conduzir ambos, embora frequentemente um dos cavalos puxe com força excessiva, desviando-nos do caminho.

O vício representa esse desvio, não como um fracasso, mas como uma evidência de que somos seres falhos, desejantes e frágeis. Paradoxalmente, é o reconhecimento dessa fragilidade que nos oferece a possibilidade de mudança.

Talvez o que nos defina não seja a ausência de vícios, mas a capacidade de reconhecer quando estamos aprisionados a eles e, com paciência e compaixão, buscar um retorno ao equilíbrio.

A liberdade, portanto, não consiste na ausência de desejo, mas na escolha consciente dos desejos a serem alimentados. Isso se realiza gradualmente, dia após dia, a cada escolha silenciosa, e sempre que diante de um impulso conseguimos afirmar: "eu posso ser mais".